Tata-de-Inquice
Apesar de ter nascido na bela cidade de Cachoeira/Bahia,
terra de muitas religiões e com forte predominância do candomblé, não tinha
noção do significado desta expressão.
De longe, vejo uma fogueira à beira da praia e, na areia,
várias velas envoltas a rudimentares proteções dão um toque de claridade rompendo
a escuridão característica de uma noite em que a lua se esconde nas nuvens de
um tempo não muito bom.
Aos poucos e um tanto quanto receoso, vou me aproximando
para conhecer de perto o que de longe parecia um momento de concentração
espiritual de alguma seita. Claro que estava com receio da receptividade. Vi,
ainda distante, que todos estavam vestidos de branco e usavam turbantes.
Algumas
senhoras responderam às minhas perguntas a respeito do que se tratava e se
eu poderia registrar, com a minha Nikon, todo o ritual, indicando-me para conversar com um homem,
aparentemente, jovem.
O Tata-de-Inquice é o jovem que passou a me explicar
que naquele momento estava sendo realizado um ritual de origem africana no
segmento do candomblé e que se constituía em descarregar todos os males ou
encostos adquiridos em 2011, purificando, cada um dos participantes, para a
entrada no novo ano.
Tudo isto ao som dos atabaques.
Em recompensa por essa dádiva das “entidades” que
poderiam se incorporar em qualquer participante, pois todos, inclusive os
filhos-de-santo iniciados, dançam e entram em transe com o seu Orixá, várias
oferendas são, em determinado momento do ritual, lançadas ao mar.
O ritual encera-se à luz do sol do primeiro dia de
janeiro, mas a noite é longa e várias etapas seguem a tradição e orientação
espiritual. Nada é por acaso.
O Tata-de-Inquice é o Sacerdote da celebração, é o Pai-de
Santo, o mentor a quem todos seguem e cumprem as orientações.
Roberto, conhecido como neguinho e, também, “cutaleci”,
pertence a uma colônia da cidade de Una, no interior da Bahia.
Em Una, com os
seus adeptos, ele é o Tata-de-Inquice da comunidade e foi o esclarecedor das minhas duvidas
a cada etapa do evento, tendo como segunda pessoa na condução do seu “terreiro”
a Mãe Pequena e algumas Mães de Santo, como a Francisca conhecida como “mean kean”.
Todas as etapas são realizadas, os atabaques não param,
as vozes entoam cânticos de origem nagô, as rodas de dança das filhas de santo
são orientadas pelos mentores, os banhos de folhas, pipocas e águas bentas dão
o “descarrego” dos maus apegos do ano que se finda e a concentração nas rezas e
gestos aos Pais Espirituais, com súplicas de bons caminhos em todo o ano que
começa, dão a credibilidade aos pedidos que são retribuindos aos DEUSES pelo tudo tido ou pedido, com
oferendas simples, até artesanais, mas visíveis pelos clarões da fogueira feita
com palha dos coqueiros que rodeiam o local sagrado escolhido.
Vai-se o ano e ou outro começa no amanhecer do dia. Todos
já se foram as rezas foram feitas as oferendas entregues, com todo o ritual à
Yemanjá que é a Rainha do Mar, representante maior para o encaminhamento dos
pedidos e mentora das dádivas das graças merecidas.
De tudo ficou a certeza da missão cumprida e da
recompensa, fortalecida na FÉ e na ESPERANÇA por melhores dias, nas etapas do
novo ano onde a PAZ, talvez, seja o pedido maior de todos, independente se
alguns itens das oferendas foram devolvidos pelo mar.
Pois a vida continua, a natureza é bela, a esperança é a
força da existência e o que nos é dado por essa vastidão de mares, terras e
criaturas, com me falou José Alves (pescador de Itabuna/Ba) ao lançar a sua tarrafa em busca de Rubalos, Tainhas e Carrapetas (peixes da região), já são oferendas do PAI superior, sem sombra de dúvidas, bem maiores das que proporcionamos a nós mesmos, aos outros e ao próprio DEUS.
Axé ! E que venham os novos anos com muito amor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário